Neste encontro, discutimos a pesquisa de Joana Cabral de Oliveira, professora do Departamento de Antropologia da Unicamp, que há anos trabalha com os povos Waijapi e, mais recentemente, vem coletando histórias sobre a mandioca. Sua investigação parte do pressuposto de uma multiplicidade ontológica e se apoia no feminismo materialista como referencial teórico, contrapondo-se à ideia de uma única natureza e de uma linearidade nos processos de domesticação das plantas.
Seu estudo etnográfico revela a centralidade da mandioca para os Waijapi, assim como para muitos outros povos indígenas, sobretudo na Amazônia. É interessante observar que a mandioca não era um alimento central para os povos pré-colombianos, que possuíam uma dieta mais diversificada. Entretanto, com a colonização, a mandioca adquiriu uma posição central na alimentação da população colonial. Na forma de farinha, era utilizada diariamente, transportada como suprimento em expedições de coleta, escravização de indígenas e de guerras, e até atravessava o Atlântico, servindo tanto de alimento quanto de moeda no comércio de escravos em ambos os lados do oceano. Além disso, passou a ter uma importância inédita para os próprios povos indígenas.
A colonização transformou a mandioca em uma commodity, colocando-a no centro da dinâmica colonial. Contudo, por outros caminhos e por outras histórias, que não se alinham à homogeneização, a mandioca também se tornou um elemento central para os povos indígenas, para os quais, por exemplo, o biju, e não a farinha, é o alimento mais importante.
Dado que a mandioca pode se reproduzir não somente pelo plantio de pedaços da sua raiz ou caule, mas também por sementes, é mais interessante questionar como se deram os processos de domesticação, ao invés de buscar respostas sobre onde e quando esse processo ocorreu. O processo de domesticação não é linear e oferece múltiplas possibilidades, incluindo o “asselvajamento”, desafiando o próprio conceito de domesticação — que se define pela dependência da planta em relação à agência humana para sua reprodução. Assim, emergem multiplicidades de histórias. Portanto, ao invés de indagar sobre o tempo e o lugar da domesticação da mandioca, a pergunta central deve ser: por quais processos isso ocorreu?