No seminário mais recente, Mariana Françozo apresentou o livro The Tapuia of Northeastern Brazil in Dutch Sources (1628–1648), organizado em conjunto com Martijn van den Bel e publicado em 2023 pela editora Brill. A obra é a tradução para o inglês de uma coletânea de documentos holandeses do período em que a Companhia das Índias Ocidentais (WIC) ocupou o Nordeste brasileiro (1630–1654). Durante o encontro, foi mencionado que já estão em andamento os preparativos para uma versão em português, a ser publicada pela editora Hedra.
O projeto envolveu um longo trabalho de transcrição de fontes, iniciado em 2016, e se insere em um contexto de crescente interesse pela presença holandesa nas Américas. O principal objetivo dos organizadores foi revisitar essas fontes históricas para uma melhor compreensão das ações e do papel dos indígenas Tapuia durante o domínio holandês no Brasil, sem, contudo, assumir uma “perspectiva indígena”. A força da publicação reside em seu potencial de tornar essas fontes amplamente acessíveis e proporcionar uma releitura do período a partir de documentos da época, alguns dos quais já haviam sido traduzidos para o português no século XIX.
Durante o encontro, levantou-se a questão de como abordar a relação entre indígenas e holandeses para além do período de ocupação neerlandesa no nordeste. Perguntou-se, por exemplo, qual foi o destino dos Tapuia após a expulsão dos holandeses, em 1654, e quais fontes poderiam ajudar a reconstituir experiências anteriores dos Países Baixos na América portuguesa. Algumas pistas para seguir com essa investigação podem ser encontradas nos esforços missionários do padre Antonio Vieira na Serra de Ibiapaba e na breve, porém significativa, presença holandesa em São Luís do Maranhão no início do século XVII.
Outro ponto importante discutido foi a concepção e evolução do termo “Tapuia”. Os pesquisadores destacaram a necessidade de uma reflexão mais aprofundada sobre a criação e transformação do termo ao longo dos séculos, além de seu papel estratégico na definição de identidades indígenas contemporâneas.
As discussões no seminário estimularam os pesquisadores a refletirem sobre a necessidade de superar diversas barreiras — cronológicas, linguísticas, territoriais e historiográficas — para melhor compreender os cenários complexos de interação entre diferentes atores sociais, incluindo os próprios indígenas. O trabalho coletivo desempenha um papel fundamental nesse processo: a colaboração interdisciplinar e o diálogo entre especialistas de áreas diversas ampliam o escopo das investigações e permitem o surgimento de novas perspectivas sobre a agência indígena e os contextos coloniais.
Essa reflexão levou também à formulação de um problema que será tema do próximo encontro: como definimos, muitas vezes de forma antecipada, os territórios com os quais trabalhamos? Quais as implicações dessas predefinições, e como podemos evitar naturalizá-las em nossas pesquisas?